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Texto permite utilizar recursos públicos para pagar multas e cria um programa de refinanciamento de dívidas das siglas
A Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, nesta quinta-feira (11) uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode livrar os partidos políticos de multas por descumprimento de repasses mínimos para candidaturas negras. Foram 344 votos a favor e 89 contrários.
O texto também cria um programa de refinanciamento de dívidas das siglas partidárias e permite a utilização de recursos do Fundo Partidário para pagar multas eleitorais.
Além disso, prevê estender o perdão às multas aplicadas contra as siglas em processos de prestação de contas eleitorais — medida que 40 entidades classificam como uma “anistia ampla e irrestrita para todas as irregularidades e condenações de partidos políticos e campanhas eleitorais”.
Antes de seguir para análise do Senado, a Câmara ainda analisará os chamados destaques — sugestões de mudança ao texto. Depois, a PEC ainda precisa passar por um segundo turno de votação na Câmara. Serão necessários, no mínimo, 308 votos.
A proposta é defendida amplamente por dirigentes partidários. No início deste mês, com apoio de lideranças partidárias, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a tentar votar o texto, mas recuou após uma sinalização de que não havia acordo junto ao Senado para apreciar a PEC.
Colocado em votação em um plenário esvaziado presencialmente e com alta participação remota, o texto propõe inserir na Constituição a obrigatoriedade de os partidos repassarem 30% dos recursos do Fundo Eleitoral — o “fundão” — para financiar campanhas de candidatos negros.
A regra estabelecida pela proposta deverá começar a ser aplicada já em 2024.
Apesar da obrigação, a proposta não prevê um mecanismo para distribuição igualitária e equânime entre as candidaturas pretas e pardas. Pelo contrário, deixa a cargo das próprias legendas repassar os valores de forma que melhor atenda aos “interesses e estratégias partidárias”.
Como funciona hoje?
Atualmente, a regra sobre os repasses a candidaturas negras não está na Constituição, mas segue um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral(TSE), respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que os recursos destinados a pessoas pretas e pardas deve ser proporcional ao número total de candidatos neste perfil no pleito.
Para entidades, o percentual definido na proposta pode representar uma diminuição dos repasses feitos às candidaturas negras.
“Nas eleições de 2022, o número de indivíduos que se autodeclararam negros superou a metade de todas as candidaturas. Portanto, caso a proposta em análise venha a ser promulgada, haveria na prática uma drástica redução do montante que deveria ter sido recebido pelas candidaturas de pessoas negras”, afirma nota, que é assinada por diversas entidades, como a Transparência Eleitoral.
Segundo a proposta, até a eventual promulgação da PEC, repasses em qualquer montante — mesmo os que descumpram a regra — serão validados. Na prática, os partidos estarão livres de qualquer punição por descumprimento de repasses a candidaturas negras.
Em uma última versão do texto, o relator Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) incluiu um dispositivo que prevê que os recursos não aplicados nas eleições anteriores deverão ser compensados a partir de 2026.
Versões anteriores chegaram a estabelecer que somente o Congresso Nacional poderá, por meio de lei, definir que partidos políticos cumpram repasses mínimos de recursos do “fundão” e do Fundo Partidário a minorias — mulheres, negros, indígenas e pessoas LGBTQIA+, por exemplo.
Retirado minutos antes do início da votação, o dispositivo restringiria, na prática, a atuação do STF e do TSE, que têm determinado em julgamentos regras para que os partidos políticos incentivem e impulsionem candidaturas de minorias.
'Anistia ampla'
A proposta estabelece uma espécie de “perdão” a condenações de devolução de recursos públicos e multas aplicadas aos partidos por irregularidades em processos de prestação de contas.
Pelo texto, o mecanismo valerá para punições decididas há mais de cinco anos, ou para casos em que o partido não tiver quitado a condenação em um período superior a cinco anos.
Entidades ligadas à transparência eleitoral e à promoção da igualdade na política avaliam que o texto, na prática, anularia “todos os tipos de sanções aplicadas” às legendas.
“Configurando-se uma anistia ampla e irrestrita para todas as irregularidades e condenações de partidos políticos e campanhas eleitorais”, diz a nota.
A PEC também prevê que a União, estados e municípios não poderão criar impostos sobre os partidos políticos, bem como institutos e fundações ligados e mantidos pelas siglas.
Refinanciamento de dívidas
O texto aprovado pelos deputados cria um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) voltado especificamente para partidos políticos.
O Refis vai permitir refinanciar dívidas tributárias e não tributárias. Também vai ser estendido às fundações e institutos mantidos pelas legendas.
Pelo texto, as siglas poderão parcelar, por exemplo, as dívidas junto à Receita Federal e Fazenda em até 180 meses. Débitos com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em até 60 meses.
A adesão do partido ao Refis vai isentar a sigla de qualquer cobrança de multa ou juros acumulados. Somente poderá ser aplicado à dívida a correção monetária.
A pedido de dirigentes partidários, o texto autoriza que as legendas utilizem recursos do Fundo Partidário — repassado pelo TSE para o pagamento de despesas de funcionamento dos partidos — para pagar o parcelamento de multas eleitorais e condenações de devolução de recursos públicos.
Também permite o uso do fundo para quitar débitos que não tenham natureza eleitoral.
Entidades avaliam que o trecho autorizaria, por exemplo, as siglas a utilizar “recursos públicos inclusive para cumprir sanções pelo recebimento de recursos privados de origem não identificada, uma das formas do chamado caixa 2”.
Discussão
Na abertura da discussão do texto, Arthur Lira rebateu as afirmações de que a PEC realiza anistia aos partidos políticos.
Segundo ele, a decisão que impôs as cotas aos partidos políticos foi feita pelo TSE sem passar pelo crivo do Congresso e sem dar o tempo necessário para que os partidos se preparassem para cumprir a resolução.
"Essa lei foi imposta por uma resolução do TSE, mantida pelo Supremo, e esta casa tem a obrigação de regulamentar", disse Lira no plenário.
"Essa casa está construindo um texto para em vez de anistiar, entregar com previsibilidade aos partidos o cumprimento dessas cotas. Sem nenhum demérito, nenhum prejuízo às mulheres", seguiu.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) foi uma das parlamentares que foi em direção contrária a Lira. Ela chamou a PEC de "pesada", "antipática" e "impopular".
"Há uma anistia ampla, geral e irrestrita para vários casos de malversação de recursos públicos. Em segundo lugar, há a tentativa de termos a maior anistia da história — da história! — já aprovada na Câmara dos Deputados; ainda não aprovada, mas que estão tentando aprovar", afirmou.
Adriana Ventura (Novo-SP) classificou o texto como "vergonhoso" e rebateu os defensores da proposta, dizendo que há uma "cortina de fumaça".
"Na verdade, é uma ampla e irrestrita anistia a partidos políticos. O que a gente está falando aqui é que uma anistia total e irrestrita. Não tem nada a ver com mulher", disse.
Escolhido para relatar a proposta em plenário com a ausência de Antônio Carlos Rodrigues, o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) saiu em defesa da proposta.
“Não há anistia, porque todos esses valores serão gastos nas próximas eleições — está aí o texto claro e objetivo”, declarou.
G1.
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