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Audiência pública foi proposta pela deputada estadual Cristiane Dantas (SDD)
Especialistas, profissionais da Saúde em geral e autoridades de órgãos municipais e estaduais debateram, na tarde desta quarta-feira (19), na Assembleia Legislativa, a “Assistência à saúde da mulher com endometriose”. A audiência pública foi proposta pela deputada estadual Cristiane Dantas (SDD) com o objetivo de discutir resoluções para os problemas relacionados à enfermidade no Estado.
“Hoje eu venho falar sobre um tema de extrema importância e que afeta a vida de muitas mulheres ao redor do mundo: a endometriose. Ela é uma doença crônica, que muitas vezes é subdiagnosticada e pode ter um impacto devastador na qualidade de vida das mulheres. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, cerca de 6 milhões de brasileiras são acometidas pela enfermidade, que se caracteriza pelo crescimento anormal do endométrio para fora do útero. Essas células se espalham por outros órgãos da região pélvica, como ovários, trompas, bexiga e até intestino. Isso causa uma inflamação que gera dor pélvica severa, menstruações dolorosas e impacta diretamente na fertilidade. Por isso, é crucial entender que a dor intensa durante o período menstrual não é normal e não deve ser subestimada”, iniciou a parlamentar.
Segundo Cristiane Dantas, a endometriose pode ser diagnosticada em qualquer mulher em idade reprodutiva, mas geralmente é detectada entre os 25 e 35 anos. “No entanto, muitas mulheres relatam os sintomas desde a adolescência. A falta de conhecimento sobre a doença e a normalização da dor menstrual intensa contribuem para um atraso significativo no diagnóstico, que leva em média de sete a dez anos".
A respeito da doença no Rio Grande do Norte, a deputada explicou que a maior dificuldade enfrentada está na falta de acesso das mulheres aos exames e cirurgias. “Ou seja, a realidade é que muitas mulheres ficam sem tratamento adequado, e isso é particularmente preocupante”, disse.
Para melhorar o diagnóstico e o tratamento, conforme a parlamentar, “é essencial investir na capacitação dos profissionais de Saúde, a fim de que possam reconhecer os sintomas precocemente, prevenindo complicações graves”.
“Além do tratamento médico especializado, mudanças na alimentação, prática de exercícios físicos, acompanhamento psicológico, acupuntura e fisioterapia pélvica podem aliviar os sintomas. Portanto, é imperativo que reconheçamos a endometriose como uma doença que necessita de atenção e tratamento adequados”, detalhou Cristiane Dantas, acrescentando que dará entrada num Projeto de Lei, apresentado pelas médicas Ana Lígia e Gleisse Aguiar, que visa estabelecer uma linha de cuidado às mulheres com endometriose no RN.
“Além disso, nós elaboramos um material informativo para divulgar as informações mais importantes sobre a enfermidade para toda a população”, finalizou.
De acordo com a médica ginecologista e especialista em endoscopia ginecológica em endometriose, Gleisse Aguiar, “a endometriose é uma doença inflamatória crônica que acomete 10% das mulheres em idade fértil”.
“Ou seja, é um problema de Saúde Pública, mas muitas vezes essas mulheres não são ouvidas e recebem tratamento inadequado. Por isso eu agradeço a oportunidade de estar aqui sendo a voz de todas elas”, frisou.
Segundo a médica, a endometriose é uma doença progressiva, mas benigna, isto é, não pode se tornar câncer.
“E ela tem tratamento. O seu principal sintoma é a dor pélvica no período menstrual, inicialmente. Essa dor é cíclica, mas pode se tornar crônica, persistente e incapacitante. A cada menstruação a doença pode progredir, mudar de local ou infiltrar mais ainda nos lugares onde já está fixada. E ao longo do tempo as dores vão diminuindo a qualidade de vida da paciente, que não consegue fazer suas atividades laborais, sociais e/ou conjugais”, explicou.
Para a especialista, “o grande problema é que, quando procura atendimento médico, a mulher escuta que ‘a dor é normal’, que ‘toda mulher tem’, que ‘no período menstrual é normal’ ou que ‘quando tiver relações sexuais ou engravidar a dor vai acabar’. Mas ela não termina. E só vai piorando”.
Outro ponto destacado pela ginecologista Gleisse Aguiar é que a ultrassonografia transvaginal convencional não detecta a doença.
“E como fica a dor e a mente da paciente? O diagnóstico é dado por uma ultrassonografia com preparo intestinal ou uma ressonância magnética da pelve, ou ambas, feitas por profissionais habilitados. Então, vejam, essa mulher passa por uma verdadeira peregrinação. O diagnóstico geralmente é retardado - após 8 a 10 anos - e quando ela descobre a enfermidade já tem sua fertilidade, seu trabalho e seus relacionamentos comprometidos. Por isso eu pergunto: quanto custa a dor dessa paciente?”, indagou.
Ainda de acordo com a médica, “quando a paciente consegue, finalmente, ser atendida por um especialista, ela já fez inúmeras cirurgias inadequadas e incompletas”.
“Muitas vezes elas chegam no consultório sem útero e sem ovário, porque acham que o tratamento é esse. E elas entram na menopausa frequentemente. Outras, quando não chegam com cirurgias prévias, vêm com a doença extremamente avançada: com ovários e cistos gigantes, semiobstruídas, praticamente com obstrução intestinal ou de ureter, podendo perder um rim a qualquer momento. E para onde nós vamos enviá-las? Infelizmente, elas são órfãs de tratamento. E nós, especialistas, ficamos de mãos atadas”, criticou.
Finalizando, a ginecologista afirmou que é necessário organizar uma linha de cuidado para essas pacientes, da atividade primária até a terciária, capacitando profissionais de Saúde, “para que eles saibam solicitar os exames adequados e em tempo hábil para o diagnóstico, pois nem toda paciente vai precisar ser operada. Às vezes será suficiente apenas o tratamento clínico com uma equipe multidisciplinar composta por nutricionista, fisioterapeuta pélvica e psicóloga”, concluiu.
Dando continuidade às explicações técnicas, a ginecologista Ana Lígia Dantas reforçou a importância da equipe multidisciplinar no tratamento da endometriose.
“A Ginecologia sozinha não consegue tratar a doença. Precisamos, sim, do apoio de outros profissionais, para que possamos melhorar os hábitos e a qualidade de vida das pacientes”, ressaltou.
Em seguida, a médica relatou casos de pacientes do nosso Estado e divulgou dados estatísticos sobre a enfermidade.
“Nós sabemos, estatisticamente, que uma em cada dez mulheres tem endometriose, segundo a Organização Mundial de Saúde. Além disso, 180 milhões de mulheres no mundo possuem a doença; o tempo médio para receber o diagnóstico é de 10 anos; entre as mulheres com endometriose, de 30 a 50% têm infertilidade; e a idade média do diagnóstico é de 28 anos, quando a mulher está no seu período reprodutivo e produtivo, muitas vezes no auge do seu trabalho e já com família constituída. Portanto, nós não podemos falar de endometriose sem falar que é uma questão de Saúde Pública”, enfatizou.
Ao final da sua explanação, a especialista sugeriu um fluxograma de linha de cuidado para pacientes com endometriose.
“Esse fluxograma vai desde a atenção primária, com médicos capacitados e que possam, pelo menos, suspeitar de endometriose pelos sintomas. E, no caso de ser endometriose, que esses profissionais possam encaminhar a paciente para um serviço de atenção secundária, em cidades-polo, com ambulatórios especializados, onde haja uma equipe multidisciplinar para dar suporte. A partir disso, feita a triagem, a paciente seguiria para as referências, na atenção terciária, que trataria os casos mais graves que precisam de cirurgias com equipes multidisciplinares”, concluiu.
Na sequência, a enfermeira e paciente com endometriose, Leticia Silva, agradeceu o convite e frisou que não iria falar sobre dor, mas de esperança.
“Eu quero saudar a mesa, em nome da deputada Cristiane Dantas, e essas médicas maravilhosas e humanizadas, que acolhem a nossa dor. Mas hoje eu não vim aqui para falar só de dor, eu vim para falar de esperança. Porque, quando recebi o convite, eu me senti muito honrada pela oportunidade de dar voz a muitas mulheres que são silenciadas pela dor. A nossa dor muitas vezes é invalidada, porque a gente vem de uma cultura em que dores menstruais são ditas ‘normais’. Mas as causadas pela endometriose nos incapacitam”, desabafou.
A respeito das perguntas de algumas pessoas sobre como ela consegue ter uma “vida normal”, a enfermeira diz que é porque está suprimindo a menstruação.
“Se eu não fizesse isso, minha vida seria limitada a estar em cima de uma cama, prostrada, à base de morfina. Porque eu sinto muita dor. E isso tudo sempre me gerou muita indignação, porque mesmo eu sendo profissional de Saúde, levei em torno de dez anos para conseguir um diagnóstico. Agora, imaginem uma mulher que não seja da área ou que não tenha acesso às informações...”, disse.
Falando em esperança, ela afirmou que o encontro na Assembleia Legislativa significa a “visualização de uma luz no fim do túnel”.
“Nós sabemos que é possível implementar uma rede estruturada de cuidado, pensando em fluxos e em capacitação profissional. E tudo começa com o primeiro passo. O que nos falta, principalmente, é capacitar os profissionais para acolher e realizar uma escuta qualificada com as mulheres para, então, dar seguimento à necessidade que nós temos, que é primariamente o diagnóstico precoce”, concluiu Leticia Silva.
Para o médico e vice-presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do RN (Sogorn), Gustavo Mafaldo, os principais motivos que tornam a endometriose desafiadora na sociedade são a sua alta prevalência, a grande incapacitação que causa e a sua associação com problemas de ordem física e psíquica nas mulheres.
Segundo Vânia Machado, membro do Conselho Estadual de Saúde do RN (CESRN), enquanto entidade de controle social, é importante que o conselho esteja ocupando os espaços públicos, ouvindo e aprendendo, para que possa cobrar dos poderes devidos.
“Porque o nosso papel é justamente fiscalizar e fazer acontecer. E a gente só faz acontecer quando tem conhecimento. E esta audiência de hoje está sendo um grande aprendizado”, frisou.
Representante da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), Anny Karoline garantiu que o tema já vem sendo discutido no âmbito do órgão, e soluções já vêm sendo pensadas para resolver os principais problemas envolvidos.
“Os processos judiciais são um balizador para nós, no sentido de que precisamos melhorar e ampliar os acessos. A gente vem, desde fevereiro, tentando encontrar profissionais com expertise técnica que apontem para a gente o que ocorre no dia a dia das unidades de saúde e quais as maiores necessidades da nossa população. Além disso, nós já estamos em processo de construção dessa linha de cuidado à mulher com endometriose, principalmente para as cirurgias de alta complexidade, que é um dos nossos maiores desafios”, destacou.
Segundo a representante do órgão estadual, o Ministério da Saúde já está sendo provocado, em busca de insumos e da independência da secretaria em relação a Natal.
“Nós também temos um projeto de expansão de polos. Hoje nós temos o Hospital da Mulher, localizado em Mossoró, com o pré-natal de alto risco, mas que precisa de profissionais especializados em endometriose. E nós estamos pensando em criar um ambulatório especializado lá, que faça as cirurgias também”, acrescentou.
Sobre a linha de cuidado, Anny Karoline explicou que existe um plano de construção da rede, incluindo a capacitação de profissionais.
“Dessa forma, nós poderemos conduzir o que pode ser levado na atenção primária e deixar os casos mais complexos para o HUOL. Nós iremos transformar o Grupo de Trabalho em ‘Portaria’, para dar uma efetividade maior ao que for pensado dentro da equipe. Após o documento feito, nós vamos saber a situação com mais detalhes e partiremos para a fase de implementação, em que precisaremos muito do apoio tanto dos municípios quanto dos usuários”, ressaltou.
Ao final do debate, a deputada Cristiane Dantas citou, como encaminhamentos, a construção e apresentação do Projeto de Lei que irá estabelecer a linha de cuidado às mulheres com endometriose no Rio Grande do Norte, bem como a reunião com a secretária estadual de Saúde, Lyane Ramalho, no mês de julho, da qual participarão a parlamentar e as médicas Ana Lígia e Gleisse Aguiar.
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