Ao menos oito pacientes precisaram retirar o globo ocular após infecção bacteriana em cirurgias ocorridas em Parelhas

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Foto: Ayrton Freire/Inter TV Cabugi.

Diretor da maternidade onde ocorreu um mutirão de cirurgias de catarata que resultou na infecção de 15 pacientes, Manoel Marques Bezerra Neto afirmou nesta quinta-feira (16) que não sabe como a empresa contratada para realizar as operações fez a limpeza dos equipamentos antes do primeiro dia.

De acordo com ele, as cirurgias foram realizadas no local por uma empresa contratada pela prefeitura municipal, e a maternidade apenas cedeu o espaço do centro cirúrgico. Ele ressaltou que não era responsabilidade da maternidade a limpeza e esterilização dos equipamentos, nem a cessão de equipamentos ou de pessoal para as cirurgias.

"Nós tivemos informações, inclusive constam em autos, que a empresa responsável pelo mutirão trouxe esse material até a maternidade, no primeiro dia, e, chegando aqui, solicitou a um funcionário do hospital municipal [anexo à maternidade] que fosse colocado na autoclave [equipamento usado para esterilização]. Assim foi feito", disse.

Ele ressaltou que não se sabe ao certo como esse material foi limpo pela empresa responsável pelo mutirão antes de ser entregue no hospital.

Ainda de acordo com o diretor da maternidade, já no segundo dia do mutirão os materiais usados nas cirurgias foram limpos e esterilizados dentro do protocolo estabelecido na unidade de saúde.

O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) informou que instaurou um procedimento para apurar os fatos. "Uma reunião já foi realizada com a Prefeitura e Procuradoria da cidade e diligências foram encaminhadas", informou o MP.

Mutirão

As cirurgias aconteceram na Maternidade Dr. Graciliano Lordão, em Parelhas, a 245 km de Natal, nos dias 27 e 28 de setembro. Ao todo, 48 pacientes foram operados. Dos 20 que passaram pelo procedimento no primeiro dia, 15 tiveram endoftalmite, uma infecção ocular causada pela bactéria Enterobacter cloacae. Oitos deles precisaram tirar o globo ocular.

O diretor explicou que, antes de entrar na máquina de esterilização, os equipamentos normalmente passam por processo de lavagem e empacotamento. "Não sabemos ao certo como esse material foi transportado e como foi realmente limpo", pontuou.

Segundo Manoel Marques, após o primeiro dia de mutirão, os equipamentos foram limpos e esterelizados, conforme o protocolo da entidade, "e reutilizados no sábado".

No segundo dia de mutirão, o sábado 28 de setembro, 28 cirurgias de catarata foram realizadas na unidade de saúde. Nenhum dos pacientes foi infectado, segundo a prefeitura.

Empresa diz que equipamentos foram lavados

A empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias, afirmou em nota que o mutirão foi conduzido por "oftalmologista experiente, tendo seguido os protocolos médicos e de segurança exigidos".

Ainda no comunicado, a empresa disse que realizou o mutirão na maternidade por indicação do município, "utilizando-se de sua estrutura para tanto (sala cirúrgica, cubas, iodo, sala de esterilização, autoclave e panos estéreis das mesas de operação)".

"Sobre os materiais utilizados durante as cirurgias, destacamos que os instrumentos foram lavados e entregues à equipe técnica da Maternidade Graciliano Lordão para a devida esterilização em autoclave. Após o processo de esterilização, os instrumentos foram encaminhados para a sala cirúrgica e organizados para início das atividades", informou por meio de nota.

No entanto a empresa não informou onde os materiais foram lavados. A empresa ressaltou que não possuía registros de infecções em cirurgias realizadas. "O oftalmologista responsável pelas cirurgias em Parelhas/RN possui em seu histórico mais de 2.000 cirurgias realizadas com sucesso e satisfação, lamentando o ocorrido (em investigação)".

Investigação

Uma investigação da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap) apontou que a infecção bacteriana tem indícios de ter sido causada por contaminação em procedimentos como higienização e esterilização.

A avaliação foi divulgada pela coordenadora de Vigilância em Saúde do RN, Diana Rêgo, nesta quarta-feira (16), após uma inspeção realizada pela equipe na cidade. Pelo menos oito pacientes precisaram remover o globo ocular por conta da infecção.

"Percebemos que, pelas características clínicas de infecção dos pacientes, uma vez que nesses pacientes que tiveram adoecimento os primeiros sintomas aconteceram 48 horas após o procedimento, isso é muito sugestivo de contaminação de procedimento, relacionado às boas práticas", disse.

"Então fica, assim, relacionado à forma de procedimento dos profissionais que executaram as cirurgias".
Os problemas de procedimento apontados na investigação, segundo Diana Rêgo, são relacionado à esterilização de equipamentos e higienização dos profissionais e do ambiente, por exemplo.

"Processo de esterilização e de procedimento de fluxos, realmente. Higienização das mãos, higienização de ambientes...São procedimentos necessários pra garantir a segurança do procedimento cirúrgico. E aí a gente não teve a garantia desses procedimentos", explicou.

A coordenadora de Vigilância em Saúde do Rio Grande do Norte informou que a Sesap solicitou à prefeitura de Parelhas a confirmação da esterilização do material. Segundo Diana Rêgo, essa resposta também vai auxiliar no entendimento do que ocorreu de diferente nos dois dias de mutirão, já que os infectados foram apenas pacientes que realizaram o procedimento no dia 27 de setembro.

"Com certeza tem algo de diferente. Não a toa nós temos aí pacientes apenas do primeiro dia com essa infecção. As investigações têm caminhado muito em relação às ações de boas práticas e de esterilização desses equipamentos", disse.

A investigação tem sido conduzida pelas vigilâncias sanitárias municipal, estadual e nacional. Além de uma avaliação da secreção ocular dos infectados, o Laboratório Central de Saúde Pública do RN (Lacen) também começou a fazer uma análise da potabilidade da água da maternidade onde ocorreu o mutirão.

Município investiga caso

A prefeitura de Parelhas também instaurou um inquérito para investigar as circunstâncias e responsabilidades no caso. As audiências com técnicos, médicos e a empresa responsável pelos procedimentos foram iniciadas na terça-feira (15).

O Municípío informou que encaminhou uma notificação formal à empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias oftalmológicas no município, "exigindo esclarecimentos imediatos".

"A Prefeitura reitera que as cirurgias foram realizadas dentro da legalidade, e o Município está arcando com todos os atendimentos e procedimentos médicos necessários aos pacientes, inclusive pagando por consultas particulares em alguns casos, para que todos possam ter o melhor acompanhamento possível", informou o município por meio de nota enviada ao g1.

Além da assistência médica, o município disse que tem mantido suporte psicológico, monitoramento contínuo e cobertura de tratamento e consultas.

Ao g1, a Polícia Civil disse que não tinha informações sobre registros de ocorrências relacionadas a esse caso.

G1.

Jornalista | Palestrante | Assessora de Comunicação | Consultora em Gestão de Crise de Comunicação | Apresentadora de rádio e televisão.

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