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Corte fixou tese para orientar tribunais; especialistas veem possibilidade de revisão de penas
O uso de arma de fogo como ferramenta para garantir a prática do tráfico de drogas não leva a uma condenação específica pelo crime de posse ou porte ilegal da arma. Nesses casos, deve ser aplicado um aumento da pena do crime de tráfico.
Esse foi o entendimento da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A posição não se trata de uma novidade, já que vinha sendo adotada pelas duas turmas criminais do STJ.
O que muda agora é que o colegiado fixou uma tese para orientação dos tribunais do país, que deverão adotar o entendimento em situações semelhantes.
Há possibilidade de que pessoas que tenham sido condenadas pelos dois crimes (tráfico de drogas e posse ou porte ilegal de armas) tentem recorrer, com base nessa tese.
O impacto prático, no entanto, precisa ser avaliado caso a caso. Em geral, a pena somada pelos dois crimes tende a ser maior do que se considerada só a pena por tráfico, mesmo levando-se em conta o aumento de pena pelo uso de arma.
Conforme a Lei de Drogas, a pena por tráfico é de cinco a 15 anos de prisão. O total fixado em uma sentença pode ser aumentado de um sexto a dois terços se o crime tiver sido praticado com emprego de arma de fogo.
Já o Estatuto do Desarmamento prevê penas de dois a quatro anos de prisão por porte ilegal de arma de uso permitido e de três a seis anos de prisão pela posse ou porte de arma de fogo de uso restrito.
“Sobrecarga penal”
A decisão do STJ foi tomada em sessão de julgamento da última quarta-feira (27). A votação foi unânime.
O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ressaltou que o entendimento fixado é o que já vinha sendo aplicado pelas turmas do tribunal.
“Esse entendimento parte da premissa de que a posse ou o porte de arma de fogo, nesses casos, é apenas meio instrumental para viabilizar ou facilitar a prática do crime de tráfico de drogas”, disse o ministro.
A discussão definiu que, nas condições em que a arma é um meio para a execução do tráfico, o crime de posse ilegal de arma é absorvido pelo crime de tráfico.
Isso se dá, por exemplo, caso a arma tenha sido apreendida no mesmo contexto do tráfico, no momento da prisão.
“A arma de fogo nesse contexto não é considerada delito autônomo, mas ferramenta essencial para execução do crime principal, ou seja, o tráfico. A conduta referente à arma de fogo é absorvida pela prática do outro delito, evitando assim a duplicidade da punição”, disse Reynaldo Soares da Fonseca.
Se a arma não foi um meio para viabilizar o tráfico, ocorre o chamado concurso material, em que há condenação pelos dois crimes.
Conforme o relator, essa interpretação visa garantir uma aplicação “mais coerente” das penas, evitando uma “sobrecarga penal injustificada” quando os crimes estão conectados.
A tese aprovada pelos ministros é a seguinte:
“A majorante do art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas”.
“Mudança de mentalidade”
À CNN, o defensor público do estado do Rio de Janeiro, Eduardo Newton, disse que a posição do STJ pode ter repercussão em pedidos de revisão de penas impostas a condenados por tráfico e por porte ilegal de arma.
Ele também aponta para o efeito “cascata” de eventuais decisões, já que uma diminuição de pena impacta nos cálculos para progressão de regime e livramento condicional.
“Isso pode repercutir sim, em diminuição de pena. Quem foi condenado, por exemplo, no crime de tráfico e no de porte de arma, teria uma pena de 8 anos, e pode ser diminuída para 5 anos e 10 meses”, afirmou.
Newton alerta para a necessidade de uma mudança de mentalidade dos juízes em um contexto em que o sistema prisional é um ambiente que viola de forma massiva e estrutural os direitos dos presos, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Enquanto não houver uma mudança de mentalidade, diversos requisitos não previstos na lei vão ser usados como forma de impedir o retorno da pessoa à sociedade”, declarou.
Para a advogada Pamela Villar, sócia do Salomi Advogados, a fixação do entendimento do STJ em uma tese vinculante permitirá que as defesas de réus questionem as condenações, caso estejam em desacordo com o texto.
Segundo ela, magistrados de primeira ou de segunda instância muitas vezes acabam não seguindo os entendimentos de cortes superiores. Com a tese fixada, no entanto, há meios para demandar o cumprimento.
“Do ponto de vista técnico, é uma vitória”, afirmou. “Uma diretriz desse porte ajuda ou deveria ajudar os tribunais inferiores a entenderem como funciona exatamente a consunção, para que possam aplicar isso em relação a situações semelhantes e não deixem o excesso acusatório tomar contas das instâncias ordinárias”.
CNN.
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